As manchetes da Folha vão continuar horríveis

Esse é o segredo do sucesso

K
3 min readMay 11, 2023

Nos últimos 30 dias (entre 12 de abril e 11 de maio de 2023), a Folha de São Paulo publicou 527 posts em seu perfil do Instagram. Sabe qual deles recebeu o maior número de comentários? Sim, o fatídico post com a manchete sensacionalista sobre Rita Lee.

As informações foram retiradas da plataforma Social Status, que analisa perfis abertos de redes sociais e organiza os dados de acordo com métricas importantes para a distribuição e a monetização de conteúdos.

Além de ser campeão de comentários, o mesmo post permanece entre os 5 melhores conteúdos do período em critérios como “Mais interações” (curtidas, cliques, comentários, compartilhamentos e salvamentos) e “Taxa de engajamento” (a razão entre a quantidade de visualizações de um determinado conteúdo e a quantidade de interações recebidas por ele).

Claro que boa parte dos comentários é negativa: críticas sobre a falta de respeito do jornal, que não teve problemas em polemizar e “aproveitar” o momento para ganhar cliques. No entanto, o que importa na lógica das redes sociais é o volume, não a intenção ou teor desses comentários e interações.

O post foi muito criticado e pode até alterar a percepção que parte do público tem da Folha. Já o algoritmo das plataformas, pelo contrário, se encarrega de beneficiar o perfil, premiando o engajamento alcançado através de uma maior entrega de seus conteúdos aos usuários da rede. Os relatórios de marketing, por sua vez, podem mostrar o sucesso da estratégia.

No meio desse jogo cujas regras seguem, até certo ponto, borradas, fica a repórter. A profissional que assina a matéria, mas que não tem poder de escolha sobre o título que vai para o site ou para os posts. Que teve seu trabalho deturpado e ainda levou a culpa por isso.

Após a recepção terrível da manchete, que resultou em um “cancelamento” recheado de ataques à repórter, o que aconteceu? A própria Folha “dá espaço” para que a jornalista compartilhe sua experiência de cancelamento em uma coluna publicada pelo próprio jornal. Atitude que pode até parecer democrática e humilde. Mas que, na prática, ajuda a manter a lógica dos cliques funcionando a seu favor.

Não podemos esquecer que não se trata de um caso isolado, um “escorregão”. Na verdade, é muito provável que a maior parte dos repórteres e colunistas, desde os aspirantes até os mais experientes, já tenham vivido algo assim. Aconteceu, por exemplo, comigo durante meu período como Trainee na mesma Folha de S.Paulo.

Na época, fiz uma matéria para a Ilustrada sobre cultura ballroom em São Paulo. Quando a reportagem saiu, nem o título nem as imagens correspondiam ao que eu havia proposto. Inclusive, utilizaram uma foto da Madonna na chamada da matéria, o que incomodou tanto leitores quanto as próprias fontes da reportagem que, com toda razão, questionaram o apagamento dos reais atores do movimento que aquela escolha de imagem representou.

Não tenho acesso aos dados financeiros da Folha de S.Paulo. Não posso afirmar que o jornal se beneficia financeiramente das manchetes sensacionalistas, que priorizam a polêmica e as técnicas de SEO em detrimento da coerência e da qualidade da informação.

Ainda assim, a recorrência desse tipo de abordagem e as “respostas” utilizadas pela Folha quando o hate toma proporções grandes demais (ou suficiente, a depender do objetivo), somadas à lógica própria das plataformas digitais e seus métodos de monetização, apontam para a probabilidade de que desrespeitar o repórter, a fonte e o público seja mais vantajoso para uma empresa de comunicação do que propriamente fazer jornalismo. Faz parecer que trata-se de modus operandi, não de escorregão.

Diante disso, me parece que enquanto a lógica da gestão empresarial reinar soberana sobre a ética do ofício jornalístico e sobre a responsabilidade associada ao status de ser um dos principais jornais do país, essas distorções continuarão se multiplicando.

Quem perde somos nós, a maioria. Mas tem sempre alguém ganhando.

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